Era uma sexta, véspera da viagem, e eu não iria. Era bem verdade que eu fazia de tudo para não pensar na viagem, porem volta e meia, a cabeça girava e eu ficava pra baixo. Saí cedo de casa, não queria estar lá. Eu não precisava estar lá.
Rodei a cidade toda. Estava vazia, e isso me dava um certo alivio. Parei em duas ou três livrarias, mas odiei o café que me serviram. Por fim, a tarde caia e eu me situava sentado em um banco, no fundo de uma igreja fantasma. Mais bêbedos e desabrigados do que tradicionais fieis. O padre acolhia todos amorosamente. Era bonito de se ver. A missa havia terminado e eu continuava sentado, admirando os vitrais.
Enfim, saí. Ainda restava um pouco de luz natural. Do outro lado da rua, na pracinha, havia uma senhora vendendo café. “E por que não?” pensei. Era uma senhorinha bem agradável. Seus olhos estavam bem cansados, mas eram lindos. Quando recebi meu copo, uma voz roca e seca atrás de mim perguntou:
- O senhor paga um pretinho para mim?
- ...Pago sim.
- Muito obrigado, meu filho.
Pedi mais um a pequena senhora e entreguei o café a aquela figura franzina, suja e barbuda. Era estranho, ele não fedia a bebida e seu cheiro, não me incomodava. Cabelos cheios, longos e grisalhos, tal como a barba, que parecia se confundir com o cabelo. Olhinhos pretos e fundos. Não me olhei muito para suas roupas não, só reparei em uma mochila velha ao seu lado. Quando entreguei o copo, entre minha timidez e falta de jeito, seus olhos brilharam. Parecia uma criança. Meu coração amoleceu.
Ficamos uns instantes em silêncio. Acho que o silêncio se dava ao respeito do café que bebíamos, coisa que, só quem bebe café entende. Aquilo sim era um café. Por fim, como quem tem todo o cuidado e sensibilidade do mundo, ele olhou para mim e perguntou:
- Por que tá assim, meu filho? – sua voz era uma como uma mão, que tirava o mergulhador da água. Levei uns segundos quieto antes de responder.
- Eu ia viajar amanhã com uns amigos, mas estou doente. Não posso ir assim.
Não conseguia encarar o velho. Só conseguia olhar para meu reflexo distorcido no fundo do copo. Mas sabia que ele continuava olhando para mim, da mesma forma meiga e carinhosa que a senhora servia o café, como o padre sorria para os fieis bêbados da igreja. De repente, uma mão quente pousou sobre meu ombro. Olhei para ele.
- Às vezes, meu filho, um é sacrificado para o bem dos outros.
Sábio o Velho. Vacilei por um momento, olhei para o fundo do copo, um sorriso me escapava. Ele estava certo. A frase ia e vinha a minha mente. Muito sábio. Quando reuni toda a coragem, resolvi olhar para ele... mas... Cadê o Velho!?
Fiquei um tempo olhando para onde ele estava sentado, para a rua. Nenhum sinal do Velho. Ele não poderia estar longe, não com aquelas perninhas curtas. Ele não poderia estar muito longe...
Ou ele nunca esteve tão perto. Obrigado pelo café, Velho.
Perninhas curtas??? Como assim? Ninguém tem pernas custas, vc que tem pernas longas...
ResponderExcluir:P